Houve um tempo, lá longe, nas sociedades pré-capitalistas ou arcaicas, em que a economia que imperava era a da boa-fé. Pessoas respeitáveis não vendiam objetos, alimentos e serviços para seus vizinhos, e sim compartilhavam e trocavam. Era um comércio das coisas de que não se faz comércio, com a força aparentemente desinteressada de trocas que satisfaziam interesses de forma implícita, com o poder de palavras, comportamentos e gestos. Ao olhar raso, trata-se de uma operação corriqueira e mecânica; ao olhar estratégico, um modelo rico capaz de estabelecer vínculos complexos. Por isso as regras de reciprocidade, gratuidade e empréstimos entre familiares, amigos, vizinhos valiam para tudo e todas as situações, em um jogo no qual o sentimento de generosidade e a sensação de equidade escondiam qualquer possível intenção comercial por meio de estratégias de honra que estabeleciam a chamada “alquimia social” e regiam as trocas do dia-a-dia.
Em contrapartida, nas trocas do mercado capitalista, quanto mais afastados os agentes envolvidos em uma troca, mais vinculada aos processos econômicos esta se torna, valorizando aspectos como o interesse e o cálculo. Essas relações impessoais e anônimas, são consideradas relações de disputa econômica, que acontecem no espaço do mercado. É nesse espaço que desconhecidos se confrontam para negociar, e onde podem ser enganados e também enganar, pois a lógica de direitos e de valores emocionais do mercado pode envolver uma rede de intermediários que precisam validar as garantias das trocas em questão com fiadores e testemunhas — diferentemente dos vínculos de extrema confiança que se estabelecem nas trocas pré-capitalistas, onde as pessoas de uma certa forma ou têm vínculos entre si ou se conhecem. As relações comerciais impessoais são inseguras, pontuais e efêmeras; não têm passado e nem futuro. Porém, com os mediadores, fiadores e testemunhas, há a possibilidade de tentar recriar o ambiente de redes tradicionais de relações e de reciprocidade.
No sistema das trocas havia crenças e rituais estabelecidos, associados à honra, ao sagrado e às dádivas; já a lógica do mercado trouxe novas disposições: poupança, crédito, investimento, juros, trabalho e seguro, entre outros. Comparando os sistemas, a diferença mais marcante foi romper com a lógica aristotélica da filia (amizade, em grego) ou boa-fé, inserida em relações familiares de confiança, parceria, equidade, simplicidade e transparência, para uma proposta diametralmente oposta de valores regida pela racionalidade calculadora da economia, com suas leis interessadas e utilitaristas. São modos diferentes de produzir, fazer circular, consumir e reproduzir: cada qual a sua maneira, deveriam servir à sociedade gerando distribuição de recursos, qualidade de vida, bem-estar e sustentabilidade.
Qual o mais usado hoje pelo mercado? Pelo que dizem as pesquisas e os noticiários, nem um nem outro: o que impera é o oba-oba, onde a regra que vale não é o bem-estar comum e sim o salve-se quem puder. E antes de perguntar: boa-fé, leis, cadê vocês?, #ficaadica: você é aquilo que você oferece, e está conectado a tudo aquilo a que se vincula. Reveja seus conceitos e faça alguma coisa.