O senso de responsabilidade coletiva e o poder que a Economia das Dádivas (Gift Economy) tinha de organizar o todo — vida social, política, religiosa, econômica, cultural — por muito tempo foi visto como arqueologia social, objeto de estudo da antropologia que não fazia muito sentido com o lifestyle dos novos tempos. É preciso repensar os vínculos de confiança e credibilidade. Quais são os verdadeiros valores? Que vínculos a sociedade quer gerar e com quem?
A teoria das dádivas permite compreender a articulação entre essas dimensões, gerando valores éticos e sociais, mostrando que, mediante a circulação de produtos ou serviços, pode-se criar um sentimento compartilhado e mútuo entre participantes desse vínculo que se expressa em diferentes valores humanos como a equidade, a amizade, a confiança.
As trocas estabelecidas pelas dádivas pressupõem reciprocidade, impulsionando a circularidade incessante das trocas. A dádiva verdadeira é o episódio de uma relação de amizade, de deferência, de proteção, de respeito. Neste sistema moral, para além das coisas trocadas são consideradas e valoradas as relações de troca estabelecidas, modificando a visão mercantil de lastros econômicos para atos recíprocos e afetivos.
Nestas relações recíprocas que promovem os valores humanos — sociais, afetivos e simbólicos — são fortalecidas a confiança, a ética e a credibilidade, que por sua vez fortalecem o tecido social e promovem a coesão do grupo em busca de sobrevivência e prosperidade; daí seu poder de instituição econômica, social e política.
Segundo Deepa Prahalad, “a Economia das Dádivas é um conceito que tem relevância tanto para o comportamento individual quanto para as empresas. Está sendo conduzida por poderosas tendências macroeconômicas e por um novo ethos, preocupado com a justiça e com a igualdade. A ideia de uma economia de troca, e o conceito mais amplo de compartilhamento, voltaram à pauta. Não são um meio de distribuição de valor, mas, ao mesmo tempo, são fundamentais para a criação de valor por indivíduos e empresas. Marina Pechlivanis reuniu a riqueza de sua vivência no assunto com cases contemporâneos de diversas empresas para formatar um modelo convincente para a Gift Economy. Tanto o momento quanto a mensagem são importantes para todos nós.”
Para Ladislau Dowdor, “nas sociedades primitivas, a colaboração era essencial para a sobrevivência; geraram-se comunidades colaborativas. Na era moderna de produção de bens físicos e da acumulação individual de riqueza, passou a predominar a competição e o avanço de uns às custas dos outros. Os bens físicos são bens rivais. Na transição atual, passa a predominar a economia imaterial, onde o valor agregado maior vem do conhecimento (tecnologia, design, redes). Como o conhecimento compartilhado não reduz o conhecimento de quem o compartilha, e como a conectividade planetária permite que todos passem a ter acesso, a tendência é voltar a predominar a colaboração em rede.”
Na visão do Arcebispo Dom Nicolaos de Moreas, “em nosso mundo hoje, toda crise econômica possui causas mais profundas. E isto é apenas um sintoma da doença. Não se trata da economia estar em crise, mas é uma crise da humanidade. O ser humano perdeu seu valor supremo, deixando de ser uma substância valiosa, e se tornou um número valioso, puramente logístico. Um membro dentro de uma sociedade degenerada. O uso de termos como progresso e prosperidade encobre a escravidão humana, não apenas do ponto de vista econômico. Por isso, a forma proposta de intercambiar produtos por meio do compartilhamento não é apenas uma solução para o impasse financeiro que resulta da crise econômica. Trata-se de uma confluência de posição social, localização e estilo de vida, escolhas ideológicas e cultura.”
A Economia das Dádivas, apesar de ser a mais arcaica de todas as formas de troca, é um assunto extremamente contemporâneo e relevante. Muita gente pratica e não sabe; outros deveriam praticar e não fazem ideia de como. Passou pelas mãos de antropólogos, sociólogos, filósofos; foi deixada de lado pelos economistas e financistas, possivelmente por desconhecimento de seus fundamentos associados à eficiência. Mais que um modelo econômico, é forma atualizada de fazer negócios buscando alguns valores humanos que ficaram esquecidos por conta da primazia de outros valores, os monetários. Conforme a humanidade desenvolveu sua visão de mundo e toda a tecnologia que serve de aparato para colocá-la em prática, esta economia foi junto — como algo integrado, que sempre esteve presente em nossa história.
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