Qual o gift mais desejado pelos consumidores, hoje? Gadgets? Widgets? Viagens? Vantagens? O-ou. O que todos querem mesmo são acessos. A objetos de desejo, à informação, à cultura, à visibilidade. A determinados grupos de pertencimento com seus códigos de conduta e rituais, qual petits comités de líderes empresariais, de executivas bem-sucedidas, de flâneurs da moda, de voyeurs da arte, de connoisseurs da cultura. E a todas as tridimensionalidades e sensorialidades que daí derivam.
Guy Debord, em sua obra A sociedade do espetáculo, trata este processo como um reflexo das mudanças propostas pela era moderna durante a qual, para além da compra de produtos, surge um novo fetiche: o consumo de imagens e utopias da realidade. Produzidas pela indústria do entretenimento, estas foram embaladas em forma de parques de diversão, filmes, programas de rádio e peças de teatro, entre outros formatos, que re-tratam a realidade e, de certa forma, oferecem um conforto psicológico intelectual a quem precisa espairecer da pressão e da padronização do trabalho.
Essa fabricação ininterrupta de pseudonecessidades e ilusões em série gera tudo o que está disponível para ser acessado, desejado e consumido em forma de lifestyles, estilos de vida.
O mesmo vale para o chamado “conteúdo” na era contemporânea, empacotado na venda de toda a sorte de equipamentos, especialmente no território da internet das coisas. Na negociação dos significados propostos pelo consumo, o conteúdo, assim como o lazer, se transforma em demanda dos consumidores, ávidos por novidades tanto na composição dos produtos quanto nas imagens que deles derivam, em busca de compor o seu personnal lifescape — seu panorama pessoal de crenças, rituais, modas e adesões combinados de forma “única e particular” para gerar a individualidade de cada um. Não por acaso o mercado se transformou em um sofisticado festival de especiallités para o corpo, a mente e o espírito com soluções para todos os tipos e tribos. E o dar-receber-retribuir revisitou as suas métricas para inserir informação e entretenimento em seus combos de ofertas, de forma diferenciada, para além da obvialidade técnica dos produtos e serviços.
Nesse ambiente de acessos, a informação, antes item de venda, agora se transformou em moeda de troca, em gift. Você compra uma camiseta, por exemplo, e a etiqueta vem com código de realidade virtual para inserção em uma comunidade exclusiva que sorteia ingressos para experiências exclusivas em shows e performances de rock. Sem contar o que você não compra e já sai ganhando, como apps com milhares de opções para free download… Em tempo, o que fazer para agradar consumidores que (acham que) tem de tudo?
Os tempos mudaram, e nós com eles. O gifting ganha cada vez mais densidade na chamada gestão de enchantement dos mais variados públicos-alvo, abarcando o intangível, o essencial, o espiritual. Como e quando fazer? Ó, mestres do marketing clássico, da comunicação tradicional, do branding default: perdoem minha blasfêmia, mas sugiro ao leitor que aprenda sobre como acessar o universo das relações de trocas entre marcas e pessoas com Friedrich Nietzsche:
Existem locuções e lances de espírito, existem sentenças, um punhado de palavras, em que toda uma cultura, toda uma sociedade se cristaliza de repente.
Traduzindo: uma estratégia de gifting bem planejada estimula as trocas proporcionando a circulação de informações, conteúdos e desejos em todas as instâncias da sociedade. E ninguém está imune aos poderes de um bom acesso — nem plebeu, nem rei, nem eu.